
Nascida a 10 de dezembro de 1920, em Techetchelnyk
, uma pequena aldeia da Ucrânia, Clarice, primeiro chamada Chaya, era filha caçula do casal de judeus Pinkouss e Mania Lispector, pouco depois do nascimento da filha resolveram vir para o Brasil a fim de escapar das consequências da Revolução de 1917
e da Primeira Guerra Mundial, cujos ecos perturbavam o cotidiano dos judeus, assolados por pogroms
.
Clarice nasce durante o percurso através da Europa que levaria a família ao Brasil. Assim, a família Lispector embarca para a América do Sul, onde tinham parentes no Nordeste, e trocam seus nomes judeus por outros, tipicamente brasileiros. Uma viagem sem volta, que trouxe para o nosso país aquela que seria uma de suas maiores escritoras.
A família Lispector residiu por mais de três anos em Maceió, indo depois morar no Recife, onde Clarice e as irmãs mais velhas passaram toda a infância. Lá elas sofreram com a doença da mãe e com a pobreza que assolava os imigrantes que chegavam ao país nas duas primeiras décadas do século XX. Em sua infância no Recife, a menina Clarice e suas irmãs convivem com a doença da mãe que, paralítica, vive sob os cuidados do esposo e dos parentes mais próximos. Quando Clarice tinha nove anos, sua mãe morre e a menina passa a viver sob a proteção do pai e das irmãs mais velhas. Há rumores de que a doença da mãe tenha eclodido após o nascimento da filha mais nova, que carrrrega essa culpa por toda a vida.
"Eu, enfim, sou brasileira, pronto e ponto"
Declarou um ano antes de sua morte
Clarice estudou no Grupo Escolar João Barbalho e no colégio Hebreu-Ídiche-Brasileiro e aos doze anos ingressou no Ginásio de Pernambuco. Já na infância, a curiosidade acerca dos livros foi despertada. O patinho feio e A lâmpada de Aladim foram as primeiras histórias lidas por ela. Depois disso vieram As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, que inspirou o conto "Felicidade Clandestina". Nesta história, uma garota pobre, apaixonada pela literatura de Lobato, pede a uma colega rica, filha de dono de livraria, que lhe empreste um livro, mas esta prolonga propositalmente a espera do empréstimo, adiando à outra menina a felicidade de ter em mãos o objeto de desejo.
Muitos dos episódios narrados nas histórias de Clarice remetem à infância. Até mesmo as idas constantes de Clarice, já adulta, à feira de São Cristóvão, no rio de Janeiro, revelam-nos a busca de sua identidade nordestina: sua infância revisitada.
Além do contato com a literatura, a menina Clarice, ainda no Recife, assiste a muitas peças de teatro e tem lições de piano. Como a maioria dos judeus, Pedro Lispector zelava pela educação acadêmica das filhas e, ainda que houvesse dificuldades financeiras, ele conseguiu dar às garotas uma formação intelectual digna de uma família judaica.
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UMA NOVA VIDA SOB O CÉU CARIOCA
Prestes a completar treze anos, Clarice muda-se com sua família para o Rio. O pai e as três filhas fixam residência na Tijuca, para depois passarem numa vila na rua Albert Sabin. O pai falece em 1940 e Clarice ficou sob a proteção das duas irmãs mais velhas, Tânia e Elisa. Na capital, Clarice estudou no colégio Sílvio Leite e mais tarde ingressou na Faculdade de Direito, formando-se em 1943. Durante o curso superior, conheceu Maury Gurgel Valente e casaram-se.
A princípio, Clarice trabalhou como tradutora para a Agência Nacional, criada por Getúlio Vargas. Foi, depois, para um escritório de advocacia, até que surgiu a oportunidade de exercer o jornalismo. Foi com o salário de jornalista que ela comprou seus primeiros livros, que ela escolhia de acordo com os títulos que lhe agradassem. Sua primeira aquisição foi Felicidade de Katherine Mansfield
.
Clarice logo se identificou com a autora de Bliss, dona de uma prosa dotada de grande sensibilidade. Depois vieram O Lobo da Estepe, de Herman Hesse e os romances de Dostoiévski, James Joyce, Sartre e Virgínia Woolf.
Clarice era amiga do escritor e jornalista Lúcio Cardoso, a quem confiou os originais de seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem
. O livro, publicado em 1943, foi agraciado com o prêmio de melhor romance de estreia da Fundação Graça Aranha. A prosa poética da escritora devastou todas as possibilidades de uma leitura dentro dos padrões tradicionais das narrativas lineares.
Num momento em que a literatura brasileira estava num período em que as narrativas costumavam tematizar a seca e suas consequências, Clarice escreveu um livro de caráter existencialista, cujo estilo fragmentado era liberado da sintaxe tradicional e acompanhava as nuances de pensamento dos personagens. A primeira obra de Clarice foi, naturalmente, comparada por alguns críticos à da escritora Virgínia Woolf e a do irlandês James Joyce
.
O crítico Álvaro Lins espantou-se com as inovações de Clarice e considerou seu romance como "algo inacabado", abstendo-se de compreender que as lacunas da história de Clarice eram a grandeza maior daquele livro.
Fonte: UOL Educação














